Os aplicativos móveis (apps) relacionados à saúde (mobile health ou mhealth, em inglês) pertencem a um campo em plena expansão na economia da conectividade móvel. No amplo espectro de aplicativos orientados para o bem-estar e para a saúde, observamos um crescente interesse por aqueles voltados para a saúde mental e o bem-estar psíquico. Estes aplicativos abrangem um escopo heterogêneo de serviços e funcionalidades: desde técnicas de meditação, passando por controle do sono e outras funções fisiológicas, técnicas de apoio emocional e psicológico, até a realização de testes psicológicos ou acompanhamento terapêutico.
Disparada pela inquietação em compreender como as informações psicológicas e emocionais vêm sendo coletadas e usadas em aplicativos móveis, esta pesquisa focaliza o que designamos como aplicativos de autocuidado psicológico e emocional ou, numa versão abreviada, PsiApps. Atrelados a um ecossistema digital que envolve infraestruturas de dados e modelos econômicos de plataformas digitais, esses objetos técnicos entrelaçam corporações de tecnologia, ciência e sociedade em uma nova cultura terapêutica.
Realizada entre agosto de 2019 e junho de 2022, a pesquisa sobre os PsiApps foi estruturada em duas etapas. A primeira, selecionou e analisou 10 aplicativos de saúde mental de maior popularidade e relevância no Brasil, focalizando, de um lado, os discursos que os próprios aplicativos promovem nas lojas de apps, sites e redes sociais e, de outro, o ecossistema de dados (mecanismos de coleta e compartilhamento de dados do usuário) que tais aplicativos integram e alimentam. Os resultados dessa primeira etapa foram sintetizados no relatório “Tudo por conta própria”: aplicativos de autocuidado psicológico e emocional”, publicado pelo MediaLab.UFRJ em maio de 2020. A segunda etapa se concentrou em um estudo de caso do aplicativo Cíngulo. O aplicativo, que se define como uma ferramenta de “terapia digital” ou “terapia guiada”, foi o que se mostrou mais relevante segundo os critérios que orientaram o levantamento realizado na primeira etapa da pesquisa. Nesta etapa, buscamos compreender as funcionalidades do aplicativo e o tipo de experiência que busca promover ao usuário, bem como as avaliações explícitas que estes fazem do Cíngulo.
Ambas as etapas da pesquisa sobre os PsiApps integram o projeto “Economia Psíquica dos Algoritmos: racionalidade, subjetividade e conduta em plataformas digitais”, coordenado pela Profa. Fernanda Bruno e desenvolvido no Medialab.UFRJ, com apoio do CNPq. A pesquisa investiga o crescente interesse tecnocientífico, econômico e social em processos algorítmicos de extração e utilização de dados psíquicos e emocionais. A noção de uma economia psíquica e emocional que nutre os algoritmos e integra as engrenagens do atual capitalismo de dados vem sendo desenvolvida desde 2018, com a publicação do texto “A economia psíquica dos algoritmos: quando o laboratório é o mundo”, no Jornal Nexo, e do artigo “Economia psíquica dos algoritmos e laboratório de plataforma: mercado, ciência e modulação do comportamento”, na Revista Famecos.